Leia o texto e reflita, seja você aluno ou professor:
Na tela da TV, vemos dois personagens discutindo. A campainha toca, vamos ver quem chama e, quando voltamos, um dos personagens foi morto a tiros. "Ele foi assassinado pelo outro personagem", concluímos. Nosso cérebro se especializou em unir os pontos mesmo quando faltam alguns pontos.
Então um dia faltamos a uma aula de matemática, ou deixamos de fazer uma lista de exercícios. "Tudo bem", pensamos. "Depois eu consigo captar o que perdi pelo contexto." E, pensando assim, faltamos a outra aula, deixamos de lado outra lista. E mais outra.
Muita gente vai mal em matemática porque pensa desse jeito. Quem pula um degrau em pouco tempo está dizendo "não tenho jeito pra coisa". Um exemplo: "Considere o conjunto R x R, diz o texto num livrinho didático. "Se denotamos o elemento (0,1) por i, é razoável escrever que i^2 = -1, visto que (0,1)^2 = - (1,0)." O redator presume que o leitor estudou a matemática do ensino médio (plano cartesiano, produtos cartesianos, operações com pares ordenados). Muita gente com faculdade, contudo, acharia as duas frases intransponíveis.
Como o aficcionado por matemática se lembra de todos os detalhes para decodificar frases assim? Ele sabe que a matemática não envelhece nem apodrece, mas também que a matemática evapora. Se uma pessoa não pula nenhuma aula e faz todos os exercícios, mesmo assim, com o tempo, ela vai se esquecer do que aprendeu. Um degrau evaporado é como um degrau pulado: ele tornará os outros degraus difíceis de galgar.
Essa ideia me surgiu quando eu observava vários professores de matemática batendo papo. Um deles tirou um livro da pasta e disse:
- Esse autor define as operações com progressões geométricas de um jeito tão interessante!
Os outros professores fizeram uma rodinha em torno dele e do livro e conversaram sobre o assunto um tempão; examinaram o texto, os exemplos, os exercícios. Riram muito. Eles se dispuseram a rever as PGs só para entender como o autor se virou para explicar um assunto que eles conhecem bem.
Minha hipótese: quem é bom de matemática é bom não só porque avança degrau por degrau, estudando uma coisa difícil por vez, mas também porque revê o que já sabe, ou seja, dá manutenção nos degraus compreendidos lá atrás, e os impede de evaporar.
Editorial escrito por Márcio Simões - publicado em Revista Cálculo - Matemática para todos. São Paulo: Editora Segmento. Ano 1. Número 5, 2011.
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